11.11.08

Exemplo prático: como trabalhar com projetos ...

“ Preste seu depoimento – disse o Rei – mandarei executá-lo, esteja
você nervoso ou não”.
Alice no país das Maravilhas – Lewis Carroll

Tomemos como exemplo a temática “Horta”. Com base no exposto acima, pretende-se esclarecer a seguinte idéia: mais do que saber o que é uma horta, o que plantar numa horta, de quais seres é constituído o ecossistema de uma horta, o que são hortaliças (conteúdos conceituais); a criança deve aprender a construir conhecimentos sobre: como plantar, como cuidar de uma horta, como cultivar hortaliças (conteúdos procedimentais) e como cuidar do ecossistema de uma horta, como aproveitar o produto de uma horta – seus frutos –, como alterar seus hábitos alimentares a partir do cultivo de uma horta (conteúdos atitudinais), enfim, provocar mudanças de valores, atitudes e procedimentos a serem utilizados na vida em sociedade.
A seguir, exemplifica-se, de modo didático, uma vivência junto a um grupo de alunos, quando determinada professora desenvolveu um projeto de trabalho tendo como tema “Uma horta em minha escola”.
“O cuidado com o canteiro iria iniciar e a sala estava em polvorosa. Primeiro, conversamos acerca de seus conhecimentos sobre uma horta. Muitas hipóteses pipocaram. Passamos, então, a elencar quais materiais necessitaríamos para o cultivo de uma horta, os quais foram listados em uma tabela com duas entradas, na qual a primeira entrada apresentava os materiais e instrumentos necessários e, a segunda entrada apresentava o conceito de pertencimento – se tínhamos ou não aquele instrumento na escola ou se precisaríamos adquiri-lo”.
Antes, porém, foi necessário que a professora sistematizasse as etapas do processo, como na Tabela 1:
Tema do projeto: Uma horta em minha escola
Abrangência: Conhecimento de Mundo: Natureza e Sociedade, Linguagem Oral e Escrita, Matemática, Artes Visuais, Movimento e Música.
Produtores: Professora e alunos da sala verde - turma de 6 anos
Destinatário: Professores e alunos da sala verde especificamente e comunidade escolar em geral
Como começar: Roda da conversa (sobre conhecimentos prévios dos alunos acerca do cultivo de uma horta) roda da leitura (com portadores de texto que trouxessem informações sobre o cultivo de uma horta)
Justificativa: O presente projeto não contou com determinação prévia de sua duração, por se tratar de um tema instigante com possibilidades de abrangência genuínas. O interesse e participação da turma de alunos foi o fator determinante para a estruturação temporal do trabalho. A escolha deste tema se deu devido ao grande interesse demonstrado pelas crianças em manusear, observar e hipotetizar sobre bichinhos de jardins e hortas – tatuzinhos, borboletas, joaninhas, minhocas, entre outros, bem como plantas e flores – com gestos ora de afeto, ora de depredação – e os medos e brincadeiras derivadas desta exploração. Fazia-se necessário, assim, possibilitar que os alunos conhecessem e cultivassem uma horta, conhecessem seu ecossistema e se sensibilizassem sobre o fato de ser, a horta, fonte de alimentação e consumo; procurando ampliar seus horizontes no que tange à constituição e importância de uma horta para a alimentação, a possibilidade de inserir outras atitudes frente aos seres vivos em questão, bem como, ampliar seu entendimento quanto aos hábitos alimentares em sua dieta diária.
O que os alunos vão aprender:
1. Fatos, Conceitos e Princípios: Em Natureza: o que é ecossistema; o que é germinação; o que é fauna e flora; o que é adubo; tipos de adubo; o que é transplante de plantas; o que são hortaliças, especiarias e bulbos; o que são frutas e legumes; o que é clorofila; diferenças entre semente e caroço; partes de uma planta; o que são plantas ornamentais; o que são plantas medicinais; diferenças entre floresta, horta, jardim, pomar; diferenças entre fazenda, chácara e sítio; classificação de árvores e arbustos e outras plantas; o que são ervas daninhas e pragas; qual é o ecossistema de uma horta: o que são pulgões, lagartas, minhocas, formigas, vaquinha, brocas, cochonilhas, afidídeos, lesmas, caracóis, borboletas e joaninhas e quais suas “funções”; horticultura e fases da lua, sistema solar e planeta Terra; quantidade de água existente no planeta Terra; importância do sol, do ar e da água para o plantio; coleta seletiva de lixo, tipos de lixo; porque precisamos nos alimentar; tipos de alimentos (reguladores, construtores e energéticos); diferença entre vento, ar e gases intestinais; órgãos do sentido; aparelho digestório; agravos à saúde etc. Em Sociedade: o que é uma quitanda; planta do bairro onde se mora; planta de uma casa (externa) com horta; planta de uma horta; profissionais que lidam com o solo etc. Em Matemática: a contagem dos dias, semanas, meses e anos (rotação e translação); tipos de relógios; calendário etc. Em Linguagem Oral e Escrita: diferença entre a grafia Terra e terra, polissemia da palavra pé; polissemia da palavra planta; quem diz obrigado e obrigada (questão de gênero); composição de um jornal-mural.
2. Atitudes, Normas e Valores: Em Natureza: receitas com sobras de alimentos; respeito às plantas e pequenos animais existentes numa horta; higiene (mãos, corpo e dentes); cuidados com a alimentação, dieta saudável; cuidados ao estar em contato com forno e fogão; Em Matemática: cotação de preços (+ caro e + barato); Em Sociedade Movimento: biografia dos artistas estudados em Artes Visuais, Música e Linguagem Oral e Escrita, cuidados ao atravessar a rua; como se portar na casa de uma pessoa como visitante; como se portar à mesa (self-service e quantidade adequada ao montar seu prato); Em Linguagem Oral e Escrita: contato com o belo artístico de diversas produções literárias através da apreciação de poesias e músicas de escritores como: Carlos Drumond de Andrade, Casimiro de Abreu, Cecília Meireles, Fagundes Varela, Gonçalves Dias, Henriqueta Lisboa, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Olavo Bilac e Vinícius de Moraes; Em Artes Visuais: contato com o belo artístico através da apreciação de trabalhos de artistas como Claude Monet, Vincent Van Gogh e Maurício de Sousa; Em Temas Transversais: respeito, cooperação e amizade; Em Música: apreciação de peças musicais de artistas consagrados à infância através de audições, recitações e reproduções das mesmas.
3. Procedimentos: Em Natureza: etapas e objetos para lidar com o solo; etapas e objetos para o cultivo de uma horta; etapas para a adubação; como regar plantas; diferença de procedimentos numa horta em dias de chuva e em dias de sol; como cozinhar; como produzir adubo orgânico; como retirar ervas daninhas; como montar uma tabela para cotar preços; etapas de como identificar causas e problemas no plantio de hortaliças; como transplantar hortaliças e especiarias; Em Matemática e Linguagem Oral e Escrita: como montar uma tabela para controle de causas e problemas no plantio de hortaliças.
Recursos: Jornais, revistas, livros, slides, apostilas, utensílios necessários para o plantio de uma horta, papéis diversos, cola, tesoura, lápis, canetas hidrocor, giz de cera, giz pastel, sementes, água, sobras de alimento, lixo orgânico, fitas cassete e CD’s, réplicas ou detalhes de obras de arte, entre outros.
Desenvolvimento do projeto: 1) roda da conversa diária (sobre conhecimentos prévios dos alunos acerca do cultivo de uma horta e sobre descobertas que ampliavam seus conhecimentos a cada dia); 2) roda da leitura (com portadores de texto que trouxessem ao grupo informações, dados, mas, sobretudo, sabor pelo fato de estarem pesquisando sobre a horta: poesias, contos etc.) (veja quadro 2); 3) pesquisa em diversos portadores textuais – revistas, livros, apostilas – constantes de diferentes acervos (biblioteca escolar, biblioteca do bairro, acervos familiares, acervo da professora, bancas e livrarias) de materiais que pudessem informar ao grupo as etapas sobre o cultivo de uma horta; 4) debate com base nos conhecimentos prévios e nas informações recolhidas do material pesquisado – a professora teve o cuidado de não interferir desnecessariamente nas discussões, para que os alunos pudessem experienciar o contato com diferentes pontos de vista e que se apoiassem mutuamente, rechaçassem ou corroborassem as diferentes contribuições advindas de seus pares; 5) entrevista com mães “cuidadoras de horta” para relato de sua experiência e exemplificação – apreciação prática – de sua conduta quando do cultivo de uma horta; 6) visita a uma horta “familiar” – horta cultivada pela família de uma das crianças; 7) preparo do solo para plantio; plantio de sementes de couve e alface; seleção de sementes; coleta de ervas daninhas; tratamento de pragas; tratamento de pequenos animais; rega diária; produção de adubo orgânico; registro de atividades e experiências efetuadas; 8) apreciação e leitura de obras de arte (Primeiros Passos – de Vincent Van Gogh (1890) e Os primeiros passos da Moniquinha – de Maurício de Sousa (2001); A Sesta – Vincent Van Gogh (1890) e O Cochilo – de Maurício de Sousa (1993); De Manhã: Casal de Camponeses a Caminho do Trabalho – de Vincent Van Gogh (1890) e De Manhã: Casal de Caipiras a Caminho da Roça – de Maurício de Sousa (2001); O jardim em Argenteul – de Monet (1873); Girassóis – de Vincente Van Gogh (1889) entre outras, possibilitando a re-leitura das crianças (técnica que possibilita a criação de obras de arte inspirando-se na obra original, porém com atributos do novo artista); 9) impressão com folhas, pintura a dedo, pintura com lápis aquarelável, recorte, colagem e complementação de cenas; dobraduras, cartonagem e bisqüis de animais e plantas; 10) audição de histórias e músicas; re-conto de histórias e “causos” ouvidos; 11) texto coletivo sobre o conhecimento adquirido para composição de jornal-mural; elaboração e escrita de listas de produtos, procedimentos e regras para o cultivo de uma horta, quanto de uma visita social, quando de um almoço coletivo, quando de um piquenique.

Avaliação:
A avaliação foi efetuada durante todo o processo, pois dela dependeu a elaboração dos passos seguintes e os ajustes necessários. Não foi preciso criar situações artificiais de avaliação. Foram elaborados portfólios individuais para que cada aluno pudesse perceber e acompanhar sua própria evolução, este portifólio contou com um “pré-teste” – uma roda de conversa que foi gravada em fita cassete, quando se avaliou o conhecimento prévio dos alunos; atividades gráficas durante o processo – com o registro de execução das diversas tarefas propostas e, no final, com um pós-teste, quando se avaliou o que e como as crianças aprenderam – com gravação em áudio de rodas de conversa que se realizaram no decorrer do projeto. Aproveitou-se, para tanto, a própria situação de aprendizagem e suas diferentes etapas. Cada aluno teve seu percurso individual e foi respeitado seu tempo para aprender. Procurou-se, portanto, trabalhar com a hipótese de que a avaliação do sujeito é o resultado da soma da análise do processo com a verificação do desempenho de cada um e do grupo. Corroborando as idéias de Esteban (2001) para quem uma possibilidade de conectar a avaliação ao processo estabelecido pela Pedagogia de projetos é torná-la uma prática de investigação tanto dos processos desenvolvidos como dos resultados apresentados, alunos e professor foram vistos como sujeitos interdependentes para o desenvolvimento do projeto, eivados que são por conhecimentos, desconhecimentos, descobertas, competências e aprendizagens. Possibilitou-se espaço e tempo para as mais diferentes perguntas e dúvidas. Tais elementos indicaram os percursos a serem seguidos de modo a dar continuidade ao projeto e definir sua finalização. Desta forma, não importou muito a atribuição de nota ou conceito, mas a preocupação com a compreensão do processo ensino/aprendizagem visando permitir a ampliação do conhecimento: levando ao encontro do que se revelou, durante o projeto, como desconhecido, necessário, interessante, desejado ou significativo. Procurou-se compreender como o outro – aluno – compreendia ou aprendia; o que aprendia e o que podia ensinar; como ensinava seus pares; como esclarecia o que já sabia, o que passava a saber ou o que não sabia, não apenas ao final do percurso, mas enquanto realizava as atividades propostas e procurava construir as competências em questão. Entendida como investigação, a avaliação não trabalhou com o objetivo de se chegar a uma única resposta, mas questionando as muitas respostas encontradas e os diferentes caminhos percorridos. Neste panorama, os alunos se sentiram livres para dar as suas respostas, mesmo parciais e provisórias, posto que foram aprendendo, no decorrer do processo, que todas as respostas existentes no percurso de construção de conhecimento da humanidade, também foram parciais e provisórias a seu tempo. Levou-se em consideração as aprendizagens realizadas pelos alunos durante sua realização em todo o processo e não somente sua performance quando da apresentação do produto final à comunidade escolar.
Culminância (Produto final): degustação dos frutos da horta – hambúrguer com alface e feijoada vegetariana com couve-flor e jornal-mural para informação da comunidade escolar, com o conhecimento construído no decorrer do projeto.
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