16.10.09

O exemplo que vem da Educação Infantil Não tenha vergonha de copiar práticas de quem trabalha com os pequenos, como revelar objetivos e observar diariamente a turma Todas as manhãs, as classes de Educação Infantil do Colégio Pueri Domus, em São Paulo, formam rodas para combinar como será o dia. Nesse momento, são propostas atividades e explicados os objetivos de cada uma delas. E também é hora das crianças contarem para a professora as dificuldades que têm. Analisando atentamente as lições de casa, Maria Lúcia Barboza Petrucci percebeu que alguns erros de escrita eram comuns na turma do Infantil III. Colocou o problema na roda e lá mesmo encontrou a solução: as crianças sugeriram afixar cartazes nas paredes com a grafia correta dessas palavras "chatas". Roda para os pequenos, plenária, tribuna livre ou assembléia para os maiores. É a turma que decide o nome que será dado às reuniões, momento dedicado também a avaliar o desempenho geral e resolver qualquer outra questão. "Se cinco crianças não entenderam alguma coisa, tenho de encontrar outra maneira de ensinar", analisa Maria Lúcia. As opções mais usadas em suas atividades são jogos pedagógicos ou trabalhos em trios para reforçar conteúdos. Imediatamente após as atividades, ela faz anotações do desempenho das crianças. No começo do ano, registra como a criança chegou e daí em diante discreve cada progresso. Todas as observações feitas durante o ano servem para compor, no final, o relatório. Ao elaborar o relatório trimestral, Maria Lúcia pensa antes de tudo nas crianças: "Não quero que os pais cobrem seus filhos indevidamente. Por isso, tenho de ser direta, transparente e cuidadosa". Elisa Pereira, diretora pedagógica da Educação Infantil à 4a série da rede Pueri Domus, afirma que a avaliação contínua das crianças é fundamental também para mostrar o melhor caminho para toda a escola. "Detectando as dificuldades, executamos o planejamento para melhor atender às necessidades das crianças". A experiência de quatro anos na Educação Infantil ensinou uma nova forma de avaliar para Renata Stancanelli, hoje professora de 5a série do Colégio Emilie de Villeneuve, também na capital paulista. "Acho que a psicologia que usamos no trato com os menores ajuda a olhar para a criança como um indivíduo em constante crescimento", constata, com muita propriedade. Em suas atividades, a prioridade é para as conversas e trocas de informações. Mesmo com os maiores, agora, as atividades lúdicas são freqüentes. Para ensinar geometria, por exemplo, ela desenvolveu de junho a dezembro o Projeto Pipas. Todos realizaram pesquisas e construíram seus brinquedos de empinar ao mesmo tempo que aprendiam conceitos matemáticos. Ela gasta pelo menos uma semana por mês em atividades de auto-avaliação. Primeiro, faz questionários sobre diversos assuntos: apreensão dos conteúdos, comportamento individual e da turma, como fazer com que a criança tenha melhor postura e mais participação na atividade. Depois de tabular as respostas, ela sempre expõe para a turma os resultados. Tudo é discutido entre eles. "Melhoramos o aprendizado e nossas relações pessoais. Como conseqüência, a garotada perde o medo de se posicionar", revela. Embora esse processo roube tempo de atividades, Renata afirma que não está atrasada em relação ao programa: "Posso sempre reorganizar meu planejamento inicial, para não avançar enquanto algumas questões não estiverem bem resolvidas com a turma". Como nesses desabafos aparecem questões que vão além das atividades de Matemática, ela recebe críticas e sugestões que envolvem até a organização da escola. Todas são levadas para a coordenação pedagógica. Depois de um ano trabalhando dessa forma, Renata conta hoje com o apoio de vários colegas, que passaram a fazer auto-avaliações orais. Mais uma prova de que a experiência com as crianças pequenas pode — e deve — ser estendida a toda a escola.
CHARLES HADJI
A coragem de ousar "É um dever ético da nossa profissão dizer aos estudantes para que serve o aprendizado" Todos nós somos avaliados todos os dias, por todas as pessoas. No ambiente escolar, porém, a avaliação só faz sentido se estiver a serviço da aprendizagem. Essa é a opinião de Charles Hadji, diretor e professor do Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Grenoble, na Suíça. Em outubro, ele esteve em São Paulo para o XIV Seminário da Escola da Vila e conversou com NOVA ESCOLA.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Qual o sentido da avaliação escolar?
Charles Hadji Ela deve estar a serviço de uma pedagogia dinâmica. É sua função contribuir para que a criança assuma poder sobre si mesma, tenha consciência do que já é capaz e em que deve melhorar. Ela é sempre uma operação de leitura orientada da realidade, uma poderosa alavanca para a ampliação do êxito da escola.
Como fazer isso de forma justa na sala?
Hadji O professor não pode, em hipótese alguma, se deixar seduzir pelo poder do cargo. Se isso acontecer, a relação que deveria ser de interação sincera vira policial. É preciso estar atento para o risco de abuso de poder, tendo em mente que a meta final é o desenvolvimento de uma pessoa. Valores pessoais e sociais que o levem a classificar as crianças em capazes ou incapazes devem ser deixados de lado.
No que se baseia a avaliação formativa?
Hadji Antes de tudo, o professor precisa deixar claro às crianças aonde ele quer chegar com cada uma das tarefas propostas. Esse é um dever ético na nossa profissão: expor aos estudantes para que serve o aprendizado. Da mesma forma, devemos criar exercícios práticos adequados ao desenvolvimento e à medição de competências; ser humildes o suficiente para analisar nossa própria prática e nossas atividades de ensino, mudando-as quando não forem eficientes. Acima de tudo, o verdadeiro mestre é o que tem coragem para ousar.
Qual o caminho para rever o jeito de avaliar?
Hadji Modificando a forma de ensinar após cada processo de avaliação, buscando maneiras diferentes de trabalhar para atingir um mesmo objetivo. Ele deve ter sempre em mãos diversas possibilidades de execução de tarefas significativas — em vez de exercícios formais esvaziados de sentido. Ele não pode esquecer-se de que todo desempenho exige interpretação. A criança também precisa corrigir sua ação após cada processo, para aprender com os erros, não cometê-los mais e, assim, progredir.
Como comunicar esse processo aos estudantes?
Hadji O professor não pode nunca fazer julgamentos infundados. Precisa passar sempre informações úteis para a criança e ter em mente que, em educação, a avaliação só interessa se conseguir estabelecer ligação entre o ensino e a aprendizagem
De mestre a parceiro
Esse método é elogiado por especialistas. "A dificuldade da criança deve mesmo ser encarada como um desafio pelo professor", endossa Luiz Carlos de Menezes, físico, educador e um dos autores da matriz de competências do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). "O importante é que a avaliação esteja fundamentada, explicando claramente aqueles tópicos em que o estudante avançou e quais ele ainda precisa trabalhar." Sem esquecer, é claro, de mostrar como isso pode ser feito.
Dessa maneira, o educador se torna um parceiro, que quer e vai ajudar: "É preciso romper definitivamente o estereótipo do mestre com a fita métrica na mão, pronto para medir, julgar e rotular cada um de seus estudantes." Assim como Zabala e Vasconcelos, Menezes encara a prova com muitas restrições, pois ela geralmente é centrada na memorização e no uso de algoritmos e foca conteúdos científicos com dia e hora marcada para acontecer.
É por isso que muitos apontam o professor de Educação Infantil como um modelo a ser seguido. Todos os dias, ele oferece atividades diferentes e criativas para reter a atenção das crianças, orienta todo o trabalho, que geralmente é feito em grupo, e observa. Observa muito, e aí está o segredo. A cada dois ou três meses elabora um relatório para os pais, enumerando os pontos em que a criança avançou e os que precisam ser trabalhados, tanto no que diz respeito a conhecimentos como a atitudes.
Mas como olhar atentamente e conhecer bem cada estudante, se as classes têm 30 ou 40 deles e o professor tem duas ou três atividades por semana com diversas turmas, que mudam todos os anos? Já imaginou propor atividades diferentes de acordo com o nível de aprendizado e, ainda por cima, fazer um relatório personalizado no final de cada bimestre?
Sim, é possível fazer isso. A saída mais eficiente, dizem os especialistas, é propor trabalhos em grupo, que permitem observar melhor as atitudes individuais e coletivas. Menezes sugere ainda que se dê prioridade a estudos do meio, com propostas de atividades variadas, nas quais todos tenham a chance de explorar suas potencialidades. Um bom exemplo disso é o Colégio Lourenço Castanho, que organiza viagens com finalidades didáticas.
Outro consenso é a importância da auto-avaliação. Ela está diretamente ligada a um dos objetivos fundamentais da educação: aprender a aprender. É óbvio que a própria criança tem as melhores condições de dizer o que sabe e o que não sabe, se um determinado método de ensino foi ou não eficaz no seu aprendizado e de que maneira ele acredita que pode compreender determinados conteúdos com mais facilidade. Para isso, basta conversar com a turma, de forma sincera e direta, ou fazer questionários onde todos possam expor livremente suas críticas e sugestões. Quanto mais freqüentes forem essas conversas mais rapidamente aparecerão os problemas e, o que realmente importa, as respectivas soluções. Para caminhar nessa direção, as escolas da rede municipal de João Monlevade, em Minas Gerais, estão se reinventando.
"Disciplinas, espaço e tempo devem ser instrumentos da educação, não seus carrascos", resume Zabala. E você? Gostou do que leu nessa reportagem e quer transformar sua escola? Ouça o conselho de Zabala. "Se você quer mudar as formas de avaliar, parabéns. O passo mais importante para a mudança acaba de ser dado."
Incentivo ao aprender
É justamente o que faz Cristiane Ishihara. Ela criou um jeito próprio de melhor aproveitar o exame. Dias depois de aplicá-lo, ela o distribui novamente, em branco, e pede que cada criança responda, para cada problema proposto, se:
- fez e está seguro de que aprendeu;
- fez, mas não está seguro de que tenha aprendido;
- fez, mas tem certeza de que errou por ter-se confundido na resolução;
- fez, mas tem certeza de que errou porque não aprendeu;
- se não fez, qual o motivo.
"Essa foi a maneira que encontrei de colocar a prova a serviço dos estudantes", explica. Depois de tabular as respostas, ela detecta as dificuldades gerais da turma e as específicas de um determinado grupo, além do nível de segurança de cada um em relação aos conteúdos. Se a maioria apresentou deficiência, Cristiane ensina tudo de outra maneira. Se alguns não aprenderam, ela prepara exercícios para ser trabalhados em casa ou na sala.
O papel do desejo
Quando a escola não leva isso em conta, o estrago é inevitável. Estudos realizados pela pesquisadora Kátia Smole sobre o impacto da avaliação na auto-estima da criança mostram que os boletins baseados no desempenho em provas têm apenas uma função: classificar a garotada em "bons" ou "maus", o que tem cada vez menos utilidade. "O pressuposto de que existe uma inteligência padrão está ultrapassado", avalia. Segundo ela, o que acaba ocorrendo são desvios no objetivo maior da escola, que é ensinar. Ao sentenciar que uns são mais e outros, menos, o saber fica em segundo plano. "O jovem valoriza a nota, não o aprendizado", exemplifica. "Em vez de se relacionar com o mundo, ele só vai querer aprender em troca de prêmio (a nota) e, nesse ambiente, só sobrevive quem se adapta ao toma lá, dá cá."
Mas existe uma conseqüência mais nefasta: tirar da criança a vontade de aprender. Afinal, só existe motivação quando há desejo. A criança que não valoriza o saber não tem motivos para cobiçá-lo. "O antigo sistema forma pessoas submissas e intolerantes. Quem não consegue atender à expectativa do professor e da sociedade acaba marginalizado", analisa Kátia.
Antoni Zabala apresenta exemplos bem práticos — e recheados de comparações com fatos do dia-a-dia — para ajudar a desatar esse grande nó. "O professor deve ser um misto de nutricionista e cozinheiro", diz ele. "O primeiro preocupa-se em elaborar refeições saudáveis e o outro quer pratos apetitosos. No planejamento da atividade, devemos agir como nutricionistas, pensando nas competências que a criança deve desenvolver. Na classe, precisamos atuar como cozinheiros, propondo atividades interessantes e que possam ser executadas com prazer."
Na sua opinião, a avaliação completa envolve quatro etapas, tantas quantas uma dona-de-casa executa ao fazer compras. "Ela vê o que tem na despensa, lista o que falta, estabelece objetivos — como preparar refeições balanceadas — e vai ao mercado", descreve. "Lá, ela começa uma série de observações, que podem mudar os rumos da tarefa original. Se um produto estiver muito caro, a saída será buscar outro ponto de venda. Se estiver estragado, terá de ser substituído por outro de semelhante valor nutritivo."
Traduzindo para a sala, o professor precisa de objetivos claros, saber o que as crianças já conhecem e preparar o que eles devem aprender — tudo em função de suas necessidades (avaliação inicial). O segundo passo é selecionar conteúdos e atividades adequadas àquela turma (avaliação reguladora). Periodicamente, ele deve parar e analisar o que já foi feito, para medir o desempenho dos estudantes (avaliação final). Ao final, todo o processo tem de ser repensado, de forma a mudar os pontos deficientes e aperfeiçoar o ensino e a aprendizagem (avaliação integradora). Clique aqui para conhecer um exemplo muito objetivo de como fazer isso, com estratégias específicas para vários conteúdos, tendo como ponto de partida o estudo da Bacia Amazônica.
A primeira pergunta que professores, coordenadores e diretores devem fazer é: Com que objetivo vamos avaliar? Para formar pessoas ou futuros universitários? Para classificar e excluir crianças ou para ajudá-las a aprender? Para humilhá-las com suas dificuldades ou incentivá-las com suas conquistas? É importante frisar que não existe resposta certa ou errada. Ela está no projeto pedagógico de cada escola. Se a opção é selecionar os melhores e excluir os outros, então a melhor saída é a boa e velha prova. Caso o compromisso seja no sentido de incentivar a criança a enfrentar desafios, então a conversa muda de rumo.
Infelizmente, não existe uma fórmula mágica. Ao contrário. "A escola ideal, que atenda à formação de cada um individualmente, não existirá nunca. Mas estabelecer que esse é o horizonte aumenta as chances de acertar o caminho", acredita Zabala. Celso Vasconcelos também entende que o sistema tradicional não atende aos objetivos da escola do terceiro milênio, mas acha que é possível democratizá-lo. "Se a nota for dinâmica e servir como indicadora da situação da criança naquele momento, ela pode apontar rumos a seguir".

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